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Entrevista ao Presidente da NP: «Era só o que faltava prestar contas de fidelidade democrática ao BE, que cultua quem matou milhões»

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Rafael Pinto Borges fundou e preside actualmente à Nova Portugalidade, que se converteu recentemente em associação. Com formação em Direito e Ciência Política e Relações Internacionais, Pinto Borges explica nesta entrevista os motivos que o conduziram ao lançamento da Nova Portugalidade, que inquietações a justificam e com que propósitos se compromete. Uma entrevista útil para desfazer equívocos e revelar a Nova Portugalidade aos portugueses e restantes povos da Portugalidade.

A entrevista esteve a cargo de Miguel Castelo-Branco.

O Rafael Pinto Borges é actualmente Presidente da Nova Portugalidade. Sei que o seu envolvimento em actividades de natureza política e cívica não se iniciou com a Nova Portugalidade, da qual foi fundador e é presentemente líder. Pode-nos facultar breve resenha do seu passado e experiência enquanto alguém que desde cedo sentiu o chamamento da defesa de convicções e causas?

Julgo sentir-me chamado ao serviço do meu país desde que me conheço. Creio que a experiência que mais informou a minha visão das coisas, do mundo e do próprio país foi aperceber-me, ainda muito jovem, do tremendo fosso existente entre o Portugal de outros tempos – grande, conquistador, orgulhoso, construtor de História, gerador de dinâmicas, divulgador de ideias e de civilização – e o Portugal pequeno, fraco, dependente, acanhado em que me foi dado crescer. Se tenho uma convicção profunda, é a de que Portugal ainda tem algo de si a dar ao mundo e à História. Foi o que me levou à política, e foi também o que me convenceu de que precisávamos de uma Nova Portugalidade: queremos continuar Portugal.

2. Contudo, parece que continua ainda hoje ligado à Juventude Popular. Como articula a sua posição de líder da Nova Portugalidade com a de filiado da JP?

Apesar de ser muito amigo do seu presidente, o Francisco Rodrigues dos Santos, tenho actualmente relação muito ténue com a Juventude Popular e com o CDS – Partido Popular, partido de que já fui militante e de que acabei por afastar-me. Mas não julgo que haja dificuldade alguma de articulação entre a relação com a NP, uma agremiação que se dedica à reconstrução do sentimento patriótico, à defesa do património cultural e espiritual do mundo português e à utilidade desse mundo português para a actualidade e o futuro, e qualquer partido político, de esquerda ou de direita. A NP é o patriotismo, é o amor a Portugal. E no campo do patriotismo devem caber todos os portugueses de bem.

A Nova Portugalidade foi criada há mais de dois anos, mas parece ter sido dada a conhecer ao público há pouco mais de um ano e meio, por ocasião daquele episódio da conferência de Jaime Nogueira Pinto, proibida pela direcção da FCSH e objecto de grande controvérsia, ao ponto de sobre ela se terem pronunciado o Presidente da República, os grupos parlamentares, a generalidade da comunicação social. O que se passou exactamente para que o país dedicasse duas semanas a discutir esse incidente?

O que se passou, muito simples e muito directamente, foi que uma universidade pública capitulou perante as ameaças de gangues da ultra-esquerda. Anunciámos uma conferência sobre um tema pertinente e academicamente relevante; a conferência foi aceite pelas autoridades competentes, convidou-se o orador, marcaram-se lugares. A dias do evento, grande surpresa: um grupo de dez ou quinze simpatizantes extremistas tomaram uma Reunião Geral de Alunos e, querendo falar pela comunidade académica que obviamente não representavam, fizeram cancelar o convite ao Professor Nogueira Pinto. Tudo isto se passou a uma quinta-feira. Na sexta, a direcção da Faculdade, claro, rejeitou este absurdo. No fim-de-semana, choveram as ameaças de colectivos próximos do Bloco de Esquerda e do MAS, houve conversa de violências, de entradas forçadas na conferência, de acções lesivas da dignidade que aquele debate – tratava-se de um debate académico – devia ter. Nós não podíamos aceitar realizar um evento em condições semelhantes, submetendo um académico respeitado e o público a vexames e indignidades.

Pedimos à Direcção que houvesse presença policial; recusado isso, oferecemo-nos para ajudar a universidade a custear os serviços de uma empresa de segurança. Mas não tiveram [a direcção] coragem; capitularam perante a ditadura da rua. Depois, o Director, na altura o Professor Francisco Caramelo, veio dizer que não se tinha cancelado nada, que se tinha combinado um reagendamento com o Professor Nogueira Pinto. Pois bem, é evidente que o Professor Nogueira Pinto prontamente esclareceu que nenhuma informação do tipo lhe tinha chegado. Ou seja, o Director mentiu aos alunos e ao país, traiu alunos seus, um académico convidado para falar àquela faculdade e a verdade. Não o digo com agrado, uma vez que nunca sou de vinganças, mas não há dúvida de que a saída do Professor Caramelo como director da FCSH, uns meses depois, foi justa, foi necessária e veio tarde. Não se pode querer mandar quando se não tem verticalidade moral.

Pelo que sei, a Nova Portugalidade não se limitou a realizar essa conferência, entretanto proibida. O que faz a Nova Portugalidade enquanto associação cultural de intervenção?

Trabalhamos como podemos, infelizmente com apoios, meios, ferramentas, ajudas limitadíssimas. Tentamos colaborador com as instituições mais diversas. Por vezes, o resultado foi muito positivo, como com os nossos amigos da Associação Coração em Malaca, gente extraordinária que muito tem feito pela salvação da identidade dos portugueses de Malaca. Noutros, como no caso da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, fomos confrontados com uma lastimável estreiteza de vistas, com um egoísmo tremendo e deslealdades vergonhosas. Ainda assim, julgo que se tem produzido um trabalho que só posso definir como fenomenal. Já temos realizados dezenas de actos públicos de norte a sul de Portugal: no Porto, em Coimbra, em Lisboa. Em Janeiro ou Fevereiro, fazemos o primeiro no Rio de Janeiro. Há que trabalhar, perseverar, inspirar pelo exemplo e reconstruir nos portugueses a vontade de fazer. Veja bem, sem ajuda alguma do Estado, de partidos, de empresas ou de grupos de interesse, a NP produz conferências de norte a sul do país, lança diariamente materiais sobre os temas mais dispersos da nossa História, mostra a cada a dia a verdadeira História de Portugal aos portugueses. Somos uma espécie de Ministério do Patriotismo, fazendo por nós o que o Estado, infelizmente, se demite de fazer.

Para além de conferências e ciclos de formação, a Nova Portugalidade tem também desenvolvido outras iniciativas, envolvendo-se em debates que tocam matérias da sua esfera de interesse, nomeadamente na defesa do património. Pode-nos referir com brevidade as duas iniciativas de maior destaque na defesa do património simbólico, nomeadamente as petições sobre os Brasões da Praça do Império e, agora, do Museu dos Descobrimentos?

Ambos foram momentos de tremenda importância e, julgo, mostram bem a falta que fazia a Portugal algo como a Nova Portugalidade. Nos dois casos, tivemos de ser nós a levantar a voz; se não houvesse NP, os radicais da memória teriam agido sem constrangimento e sem resistência, num caso para destruir património precioso – os brasões ultramarinos da Praça do Império – e no outro para construir em Lisboa um insulto à cidade e ao país, ou seja, o proposto museu da escravatura. Quando colectivos de extrema-esquerda vandalizam o “monumento ao esforço colonizador português”, teve também de ser o nosso núcleo local a enviar uma carta à Câmara Municipal e a pedir a imediata recuperação do património. São tempos estranhos, estes, em que a própria História parece estar sob ataque cerrado por múltiplos movimentos de cabeça totalitária. Nos Estados Unidos, é a demolição de estátuas e memoriais; no Reino Unido já queriam, imagine, tirar o Almirante Nelson de Trafalgar Square, dizendo que Nelson fora esclavagista. E haverá mais em Portugal. Mais cedo ou mais tarde, teremos cá luminárias, como acontece já em França, a exigir a devolução de espólio museológico a nações africanas e asiáticas muitas vezes pobres, sem experiência de conservação e restauro, sem infra-estruturas dignas, incapazes de preservar o que têm e certamente incapazes de preservar novo espólio se o receberem. Desconfio que tanto interesse pelo património museológico africano agora reclamado pelas ligas gritantes pode ocultar grande cobiça por parte de traficantes e marchands de obras de arte das grandes leiloeiras. Quando a onda cá chegar, já se sabe: terá de ser a NP a fazer algo, ou ninguém terá a coragem de levantar-se da cadeira e dar voz ao bom senso.

Parece ter passado o tempo em que a Nova Portugalidade era confundida com a extrema-direita, pois, como vimos há dias na Assembleia Municipal de Lisboa, o PSD, o CDS, o PPM, o MPT e até o PC fizeram os maiores elogios à petição Por um Museu da Portugalidade que ali foi apresentar. Qual a razão de tal associação à “extrema-direita”?

Nos Estudos Gerais da Nova Portugalidade, em Novembro, o Professor Riccardo Marchi proferiu uma conferência fascinante sobre as coordenadas políticas da Nova Portugalidade, se é que as temos. O Professor Marchi é, talvez, o maior especialista em direitas portuguesas, e o que ofereceu foi uma análise científica, serena, do discurso e da acção da Nova Portugalidade. O que disse é que a NP é um movimento “nacional-patriótico”, mas definitivamente não um movimento de extrema-direita. Feita a peritagem por quem sabe, era verdadeiramente bom se pudesse cessar de vez esse insulto, que é uma falsidade e uma deselegância. Infelizmente, a esquerda radical, representada sobretudo pelo Bloco de Esquerda, está convencida de que qualquer manifestação de patriotismo é sintoma de adesão à “extrema-direita”. Tem sido essa gente a instigar a propaganda anti-NP. Mas creio que a mentira não passou; a serpente da falsidade morreu ainda no ovo. Mas alguém acredita que uma organização que produz actividade regular ou episódica com o Professor Narana Coissoró, com o doutor Santana Lopes, com o Senhor Dom Duarte de Bragança, com o Professor Pedro Dias, com a Professora Maria de Deus Manso ou com o doutor Raul Almeida, que era deputado do CDS, poderia ter a mais ténue relação com a tal “extrema-direita”? Basta. Basta de chamarem “fascistas” a todos os portugueses que se sentem orgulhosos de o ser. Basta desses tiques de pequeno Himmler ou de pequeno Béria.

Sabendo que habitualmente a extrema-direita se confunde com xenofobia, racismo e nacionalismo, por que motivo o Bloco de Esquerda teima em fazer essa associação, sabendo que na Nova Portugalidade não há o mais ténue vestígio de qualquer proximidade àquelas inclinações?

(Risos) Permita-me só uma reflexão. Nos órgãos directivos da Nova Portugalidade há pelo menos duas pessoas de ascendência eslava, uma de ascendência africana, duas de ascendência e nacionalidade brasileira, uma de ascendência goesa e uma de ascendência chinesa. Não sou de intrigas, mas quantas há no grupo parlamentar do Bloco de Esquerda? Todos os dias criticam a homogeneidade alheia. Quando resolvem a deles? O propósito da campanha difamatória é só um e, de resto, é evidente: eles pretendem matar à nascença tudo o que se assuma como patriota, tudo o que admita abertamente o seu amor, carinho e fidelidade por Portugal. Por isso tentaram a cartada da extrema-direita. Como é óbvio, falharam plenamente. Para além de sereno, o povo é perspicaz.

Como se define politicamente?

Eu sou um patriota português. Acho preocupante que haja portugueses, alguns deles em posição de mandar, que não se considerem da mesma maneira. Como se pode servir bem Portugal e os portugueses sem nada sentir por Portugal? Eu sinto; acho que sentir é meu direito e meu dever. E não se me pode pedir que me envergonhe disso, que me desculpe por querer servir o meu país e por considerar que a sua História não acabou e até, pelo contrário, que as melhores páginas da nossa História podem ainda estar por escrever.

Pode elaborar?

Posso, certamente, embora tenha já dito o fundamental. Eu sou um patriota; acredito em Portugal, julgo que Portugal tem um destino histórico e uma missão a cumprir e considero que os portugueses não podem viver sem um país que seja soberano, forte e livre. Se Portugal não manda, os portugueses não mandam; se Portugal não influencia, são os portugueses os influenciados; se Portugal não defende os seus interesses, serão outros a impor-nos os seus. Acho, se quiser, que o serviço da nação deve ser o objecto e a finalidade de toda a actividade política. Sou soberanista – acho que Portugal não pode abdicar da sua independência, da sua liberdade estratégica e dos instrumentos que fazem dele um país livre. Se sou conservador, não sei; sou-o em algumas coisas, não o serei noutras. Sou por uma economia de mercado submetida à moral, à justiça social e ao interesse da nação. Acho ainda uma coisa que me parece importante: julgo que o mundo comporta tão grande e tão bela diversidade de culturas, de modos de vida e de organização, que procurar uniformizá-las seria projecto tão impraticável quanto destrutivo. Eis o essencial.

Contudo, há que não se canse de difundir uma foto sua em Santa Comba Dão, em posição reverente em frente da campa de Oliveira Salazar …

(Risos) Bom, é-se reverente na igreja, e eu nessa fotografia não estava numa. Sobre essa fotografia e a controvérsia que gerou, três ideias. Uma: a imagem é uma provocação, uma brincadeira, e eu não pedirei desculpa por ter melhor sentido de humor que os cinzentões que não sabem detectar uma piada quando a vêem à frente. Dois: há um pensador espanhol, Fernández de la Mora, que mostra como a ideologia é geralmente o refúgio favorito do imbecil; eu não faço avaliações ideológicas da História, e considero que a História deve ser interpretada contextualmente, no tempo, no espaço, nas ideias. Eu não sou, fui, serei, me disse, digo ou direi salazarista. Mas acredito que não há um só um homem inteligente e patriota que possa não respeitar Salazar. É ler Ortega, o padrinho espiritual da segunda república espanhola, um liberal-democrata, e ver o que achava de Salazar. É ler António José Saraiva, um homem de formação esquerdista e passado comunista, e ver o que achava de Salazar. É ouvir Mário Soares e ver se considerava Salazar fascista. E é deixar de ler a História com as lentes estupidificadoras da ideologia. E ponto três: se me recordo, a maioria dos indignados com a tal fotografia andam ou andaram em procissões para baixar a cabeça frente às múmias de Lenine ou de Mao. Ora bem, não presto contas de fidelidade democrática ao Bloco de Esquerda, um partido que cultua gente – os Lenines, os Trótskis, os Hoxhas – que matou milhões. Era só o que faltava.

Por tudo o que escreve, fica-se com a clara percepção que é atacado com a mesma violência, tanto pela extrema-esquerda, como pela extrema-direita…

Bom, eu não farei a apologia da moderação pela moderação, porque acho que há momentos para a moderação e momentos para certo radicalismo saudável. Mas essa gente tem um denominador comum, acho eu, que é o ódio visceral a tudo. São gente odiosa e incapaz da conversa paciente, racional, educada. Aqui há dias, na Assembleia Municipal de Lisboa, um deputado do Bloco chamado Moreira qualquer coisa ou qualquer coisa Moreira acusava-me de ser nazi, de extrema-direita, aquelas coisas que eles dizem. Mas, francamente, o que eu ouvi, compreendi, notei naquele homem foi o ódio – ele odeia a Nova Portugalidade porque odeia profunda e terrivelmente tudo o que é português. A cabeça daquele pobre demónio – nem o detesto, só o desprezo – não é portuguesa; é a antítese de tudo o que é português. E ele odeia-nos em bloco, passe a brincadeira: odeia o país, o povo, o que cá há de único, a História, até disse que a Lusofonia é uma forma cínica de neo-colonialismo. Ora bem, aquela extrema-direita das teses racialistas odeia-nos [à NP] também, e pelo mesmo motivo essencial: é que eles detestam Portugal. Dizem-se nacionalistas, mas são profundamente anti-portugueses. Odeiam-se a si mesmos, porque queriam ter nascido suecos ou alemães, muito claros e muito louros, mas nasceram portugueses, morenos, talvez com uma gota de sangue magrebino, de sangue judaico, de sangue goês, de sangue índio brasileiro. E ficam furiosos, tal e qual aquele Moreira do BE que não queria ser português mas tem de sofrer a sua portugalidade todos os dias. A origem daquele ódio exterior a tudo é um ódio interior, um auto-ódio imenso. Em última análise, são mais casos de psiquiatria que de política.

Há quem diga que a Nova Portugalidade preferiria trocar a Europa pela Portugalidade. É um euro-céptico ou apenas um crítico do actual quadro consubstanciado na EU?

Eu acredito numa Europa de nações amigas e colaborantes, mas livres, soberanas e capazes de prosseguirem livremente os seus próprios interesses – europeus e extra-europeus. Não se trata de ser contra a Europa, mas de reconhecer que Portugal não é só europeu e que não pode, dessa maneira, fechar-se voluntariamente na Europa, aliás uma área decadente do mundo, uma zona que não cresce economicamente e que se endivida a cada ano. Há que reencontrar a nossa vocação universalista e transformá-la em garantia de futuro, de independência, de relevância, de grandeza e de força. Dizer que temos muitíssimo mais em comum com os angolanos ou os timorenses que com os húngaros não implica qualquer má-vontade em relação aos húngaros, que são um povo admirável; significa apenas que devemos mais atenções aos timorenses, que são família, que aos húngaros, que são amigos. A nossa política externa deve, creio, reconhecer esta hierarquia de familiaridade. Queremos estar na Europa e na Portugalidade, mas na Portugalidade com mais entusiasmo e mais profundidade que na Europa. Só assim, aliás, poderemos fazer-nos ouvir na própria Europa.

Dizem alguns que a Nova Portugalidade defende uma federação de Estados da Portugalidade, estimando tal projecto um sonho irrealizável e uma extravagância…

Federação, como confederação, são termos cientificamente muito amplos e muito equívocos. Talvez seja mais prudente falar em confederação. Nós achamos, certamente, que a realidade histórica, cultural, linguística e humana que é o mundo português deve converter-se em realidade política também. Mas sabemos que a História se faz mais de processos que de saltos, de episódios, de volições súbitas. Não pretendemos fazer uma confederação ou uma federação de Estados portugueses amanhã. Queremos que se caminhe nesse sentido, que se ergam instituições comuns, que se vá progressiva e cuidadosamente institucionalizando e concretizando a integração entre nações da Portugalidade.

Gostaria de saber como entende este fim de ciclo histórico marcado pela emergência de um mundo multipolar, com consequente declínio dos EUA e ascensão da Rússia e da China. No novo quadro em construção, que papel caberia à Portugalidade?

Um de dois: ou a unidade, a força e a relevância ou a divisão, a dependência e a irrelevância. Coligado, o mundo português é a sexta ou a sétima economia do mundo, tem quase trezentos milhões de almas, possui presença e interesses na Europa, na América, na Ásia e na África. Coligado, o mundo português pode ser a potência dominante no Atlântico Sul, pode exercer influência poderosíssima sobre a América Latina e a África e teria, o que é relevante, maneira de agir como ponte entre civilizações distintas e interesses conflitantes. Temos dito que a Portugalidade pode ser uma superpotência do futuro, e ela pode-o realmente. Ao Brasil, a Portugalidade oferece oportunidade de afirmação mundial, solidariedades internacionais, até argumentos – de história, de memória – para uma melhor relação com os Estados mais diversos. Considerado apenas como país independente, o Brasil não tem relação antiga com a Etiópia, a China, o Japão, o Omã ou o Irão; como continuação de Portugal, contudo, o Brasil possui laços de cinco séculos com todas essas nações. A memória de Portugal dá legitimidade histórica à força actual e futura da nação brasileira. Já para Portugal, a Portugalidade, o espaço português, é tudo. Embora pequenos e fracos na Europa, somos ainda extraordinariamente importantes, grandes e ouvidos fora dela. Pois bem, eis aqui o grande projecto nacional que tantos dizem querer e cuja falta tantos dizem detectar e lamentar.

Falava-me da China e da Rússia, da actual tendência, que parece irrefreável, para a democratização da ordem internacional e de como tudo isso se relaciona com a Portugalidade. Não é irrelevante que Lisboa tenha recebido recentemente representantes de primeira importância quer da China, quer da Rússia. Num caso, foi o presidente da República Popular da China, Xi Jinping. No outro, o ministro dos negócios estrangeiros da Federação da Rússia, Serguei Lavrov. O que é interessante notar é que ambos os líderes escreveram para a imprensa portuguesa por ocasião das suas visitas, e ambos explicaram o motivo de reconhecerem tão grande importância a seus laços com Portugal. Ambos falaram de Portugal, directa ou indirectamente, como império histórico; ou seja, como grande potência de cultura, de língua e, sobretudo, de memória. E ambos recordaram que Portugal possui, por ser um antigo império, uma influência tremenda – cultural, mas também política e até económica – nos países daquilo a que chamamos Portugalidade. É uma vantagem que temos desaproveitado vergonhosamente, para desgraça nossa e dos nossos irmãos do mundo português. Na nova era multipolar que vemos erguer-se à nossa frente, podemos ser agente ou objecto, jogador ou peão. Convertendo a Portugalidade em centro de poder, podemos ser o primeiro, readquirindo a centralidade e a força há muito perdidas. Há que agarrar agora essa oportunidade. Julgo, honestamente, que é a única que temos para salvar Portugal e restante mundo português de um futuro de irrelevância e sujeição.

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