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Racismo e xenofobia: dois fenómenos raramente associados

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Desde há alguns anos que o disparate é repetido dia e noite pelos palavrosos da estupidez culta: “racista e xenófobo”, “racismo e xenofobia” surgem amiúde como sinónimos ou com grau de parentesco que lhes garante a quase homonímia. Porém, raramente o racismo vive associado à xenofobia. Há pessoas racistas – aquelas que acreditam na superioridade de uma raça – que não são xenófobas, pois é entre os racistas que se encontra o maior número de xenómanos. O racista vê as sociedades a partir de um identificativo biológico, presumindo que as características psicológicas, a inteligência, a cultura e as instituições são mero complemento de uma diferença biológica – e ontológica – que separa e diferencia pessoas. O racista vê, pois, as sociedades a partir de uma categoria subordinante, desvalorizando as diferenças culturais. Um racista branco associa o Ocidente à tez clara, dita “caucasiana”, relegando a dimensão cultural da diversidade “caucasiana” para um patamar secundário. Um racista branco vê em qualquer branco um indivíduo que carrega o peso genético da superioridade, seja este finlandês, grego, irlandês ou romeno. O racismo, enquanto doutrina, é universal na presunção da unicidade dessa característica sobre-determinante. O grande sonho dos racistas novecentistas foi o de destruir o patriotismo e as nações, substituindo-os por uma irmandade racial. No fundo, quando os nazis proclamavam a necessidade de um Estado racista – o Estado ao serviço de uma raça – faziam-no com claro propósito de juntar os brancos sob uma bandeira. Neste particular, o maior inimigo do nacionalismo europeu do século XX foi o nazismo. Só se pode afirmar adepto do nacionalismo e do nazismo quem nunca leu ou sequer meditou por dez segundos sobre esta contradição nodal.

A xenofobia, por seu turno, atém-se, sobretudo, a características culturais como elemento justificador da superioridade de uma cultura sobre as restantes. A xenofobia pode ser mero movimento defensivo – um fechar-se sobre a sua especificidade, o medo de se tornar outro ou o terror de se dissipar – mas pode também ser atitude expansionista pretendendo que os outros sejam como nós, convertendo-os à cultura do nosso grupo. Há sobejos casos daquela xenofobia defensiva para que com eles nos prendamos. Cito, ilustrativamente, os thais, os birmaneses, os zulus, os chineses e muitos outros povos que foram confrontados com forte desafio à sua integridade cultural e que criaram uma identidade defensiva e agressiva face aos estrangeiros. Os thais, por exemplo, parecem ser xenómanos, mas a sua estratégia de sobrevivência enquanto “Sociedade Antiga” foi, sem contradição, a de adoptarem adaptando à cultura thai tudo o que precisam para manter a sua diferença. Só quem nunca meditou sobre isto poderá querer ver na ocidentalização” – que joga com Estado moderno, constituições, separação de poderes, lei escrita, democracia, direitos humanos, economia de mercado, etc – uma aspiração nodal da sociedade thai. Eles sabem fazer fachada. Como dizia Mongkut (Rama IV), há que oferecer aos farangues (europeus) uma bela montra com tudo o que eles estimam marcas de civilização [ocidental], por forma a que eles [farangues] nos deixem em paz.

Porém, a outra xenofobia, é assunto que nos toca de perto. Os povos da portugalidade não são nem jamais puderam compreender o racismo. Fomos, sempre, uma tão grande mescla de sangues e cargas hereditárias que tornaram o racismo uma coisa abstrusa. Temos no sangue resíduos de celtas, latinos, árabes, berberes, judeus, negros, chineses, japoneses, índios e australóides que nos impedem de proferir o palavrão horrendo do racismo. Portugal foi, sempre, xenófobo. Não gostamos dos estrangeiros, pronto, e só os queremos se gostarem da nossa cultura, da nossa língua, da nossa maneira de estar e viver; isto é, só os queremos se quiserem fazer parte de nós. Aliás, o que é a ideologia da expansão portuguesa senão esta afirmativa e obstinada vontade de universalizar a nossa cultura?

Os ingleses, os alemães e os holandeses – sim, aqueles que pela voz de Hugo Grócio consideravam os portugueses inferiores “pois até se misturam com os animais” – são racistas. Por seu turno, os portugueses não são racistas, mas são absolutamente xenófobos. Entre nós não se vislumbra o menor vestígio de curiosidade intelectual face ao estranho. O português só fala de coisas portuguesas, só lê, investiga e produz obra que tenha a ver com Portugal e aqueles que parecem xenómanos fazem-no, estimo, só por afectação. Por isso, nunca desenvolvemos escolas de linguística, nunca tivemos orientalismo profundo, nem arqueologia virada para o mundo, nem teoria sobre as artes, nem Filosofia. Temos a ideia de uma vaga fraternidade universal, abraçando todos os homens e todos os continentes, uma derradeira esperança de paz e concórdia entre os homens. Essa ideia dá pelo nome de Portugal ou, agora, de lusofonia. É por isso que nunca seremos tribalistas, racistas, europeus. Somos ocidentais porque o nó dessa civilização – o cristianismo – cedo foi utilizado pelos portugueses como característica indissociável do ser e destinação de Portugal. Sempre quisemos dar exemplos ao mundo. Que maior prova senão essa? Só não o vê quem não quer: os racistas xenómanos e os escravos da estupidez inteligente.

Miguel Castelo-Branco

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